Com uma ampla variedade de iniciativas em seu currículo, a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), ao longo dos últimos 40 anos, participou ativamente para a geração de avanços no campo da conservação da biodiversidade no Brasil. A SPVS conquistou espaço como referência a partir de uma dedicação compulsiva de seus integrantes em busca de resultados consistentes com as principais prioridades em cada uma das regiões de atuação. Mesmo com suas principais ações sendo realizadas no sul do país, as iniciativas inovadoras que marcam sua existência sempre postularam por ambições amplificadas visando o estabelecimento de novas políticas públicas que gerem resultados em grande escala e que efetivamente promovam mudanças de cenários.
São desafios de grandes dimensões, mas que nem sempre avançam na velocidade desejada, o que não pode ser um argumento para desmotivação, pois a evolução nas ações que ainda não estão suficientemente assimiladas pela sociedade demanda tempo para poder amadurecer e prosperar com efetividade. Ainda vivemos diante de comportamentos pouco aderentes de grande parte da sociedade em relação à importância crítica em manter suficientes espaços naturais bem conservados, o que reforça a necessidade de resiliência acima dos padrões e uma busca incessante pela procura de caminhos que acelerem esse longo processo.
Apesar de evitarmos nominar o amplo conjunto de instituições parceiras que proporcionaram as condições para que a SPVS avançasse na busca de seus objetivos, uma vez que certamente haveriam lapsos que devem ser evitados, é fundamental reconhecer e enfatizar a relevância de todas as instituições, públicas e privadas que somaram forças com a instituição ao longo destas quatro décadas de atividades.
As ações de Educação para Conservação da instituição, apostam na necessidade premente da incorporação de conceitos mais amigáveis com a natureza de parte de cada um de nós. De valores que nos permitam um melhor entendimento do que representa o interesse público e o exercício da cidadania em prol do bem comum, e como a conservação da natureza precisa estar inserida neste contexto. De forma contínua, este tipo de atividade permanece nas prioridades das ações da SPVS como forma de aderência à agenda da conservação a mais longo prazo e afeta principalmente aos mais jovens.
Aposta nas gerações futuras, no entanto, está longe de representar uma solução, isoladamente, em especial, em função da condição de emergência que hoje está mais evidente a partir da continuidade dos processos de degradação ambiental e seus efeitos no âmbito social e econômico. Hoje vivemos desafios ambientais globais, sendo que o desequilíbrio do clima e a perda da biodiversidade só poderão ser equacionados se houver ações sinérgicas e cooperadas numa escala de assertividade que não podem mais esperar.
Projetos e programas demonstrativos desenvolvidos pela SPVS tem relação direta com a busca de parcerias com todos os atores da sociedade, como governos, corporações, academia, outras instituições do terceiro setor e comunidades em geral. A capacidade de somar forças, unindo atores que percebam a possibilidade de potencializar suas ações com a soma de esforços, está demonstrada no Programa Condomínio da Biodiversidade, lançado no ano 2000 com a participação ampla de representantes da sociedade e atuando em outros municípios da Região Metropolitana. Os resultados desta iniciativa amealhados ano a ano, permitem hoje uma perspectiva de maior alcance, visando a construção de mecanismos que permitam a geração de recursos para a criação de Fundos Metropolitanos de Conservação, gerando maior resiliência a eventos extremos e, ao mesmo tempo promovendo centros urbanos para maior atratividade a novos negócios.
A constituição das Reservas Naturais da SPVS, também no início dos anos 2000 permitiu a proteção de mais de 19 mil hectares entre os municípios de Antonina e Guaraqueçaba, no Paraná. Um desdobramento de atividades continuadas desde 1989 na região, protagonizadas pelo Plano Integrado de Conservação para a Região de Guaraqueçaba, lançado em 1992. O alcance desta iniciativa, consolidada com o apoio de diversos atores, gerou empregos e renda, arrecadação de mais de 50 milhões de reais em ICMS-Ecológico (e a nova lei de Antonina denominada PSAM que estimula com apoio financeiro a criação de novas RPPNs no Município). Igualmente relevante o abastecimento de água para mais de 20 mil habitantes, com abundância e qualidade, oriundas das Reservas Naturais conservadas. Além disso, é fato que a manutenção das reservas gerou emprego e renda especialmente para moradores das comunidades locais.
Mais do que isso, o trabalho conjunto e de longo prazo nesta região permitiu uma evolução substancial de nossa atuação da região com a iniciativa supra institucional Grande Reserva Mata Atlântica, em parceria com instituições, a partir de 2018, adotando o conceito de Produção de Natureza e Economia Restaurativa, visando a criação de um destino de turismo internacional no maior e mais bem conservado remanescente do Bioma Mata Atlântica, com mais de 2,7 milhões de hectares. Hoje, com quase 900 membros voluntários nos três estados de sua abrangência e apoio de um amplo conjunto de atores do poder público, a Grande Reserva avança de forma muito positiva e com perspectivas excepcionais para avanços e consolidação.
As diversas campanhas que a equipe da Grande Reserva Mata Atlântica também já conduziu e participou, além dos materiais que foram produzidos, como vídeos, cartilhas, livros, entre outros conteúdos, também já tornou a iniciativa referência nesses trabalhos.
A conexão entre a iniciativa e fóruns regionais, nacionais e até internacionais também permite que a Grande Reserva colabore com essas agendas, apresentando metodologias, mas também estando atenta ao que outros atores estão fazendo a fim de aprimorar as ações que envolvem todo o trabalho.
Na mesma região, a Conservação e Monitoramento de Espécies Ameaçadas foi iniciada por volta de 1998, com a espécie papagaio-de-cara-roxa, entre os estados do Paraná e São Paulo. Hoje estendido para outra espécie de psitacídeo ameaçada, o papagaio-de-peito-roxo e, também, o mico-leão-de-cara-preta, estritamente endêmico numa fração bastante reduzida da região costeira. O combate a ilegalidades como a caça e o extrativismo espoliativo agrega as ações voltadas à proteção da biodiversidade. Novas perspectivas alinhadas com projetos parceiros como o Grandes Mamíferos da Mata Atlântica, abrem espaço para estratégias de translocação de fauna com vistas a repopular áreas historicamente consideradas "florestas vazias" em função de ações continuadas de degradação na região. No caso do papagaio-de-cara-roxa, os trabalhos de conservação da espécie conduzidos pela instituição, por meio da instalação de ninhos artificiais de madeira e PVC para estímulo da reprodução, geraram a mudança de categoria da espécie, que era considerada “Vulnerável” para “Quase Ameaçada” na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em Inglês).
As regiões do interior sul brasileiro, áreas de distribuição da Floresta com Araucária e Campos Naturais, ecossistemas associados ao Bioma Mata Atlântica apresentam um cenário oposto às regiões costeiras e serranas no extremo leste. Praticamente não existem mais remanescentes significativos destes ecossistemas presentes no território, o que implica em ações fundamentais voltadas à identificação e acordos com proprietários para garantir a preservação destes últimos relictos ainda com maior presença de biodiversidade. Nasceu em 2003 o Programa Desmatamento Evitado ou de Adoção de Áreas Naturais, com uma parceria entre um proprietário privado de um remanescente de Floresta com Araucária em estágio avançado de conservação, no município da Lapa, RM de Curitiba. Atualmente o programa conta com novas adesões de corporações, e já abrange áreas em São Paulo, incluindo áreas prioritárias para conservação da biodiversidade, com a presença de espécies ameaçadas como o muriqui-do-sul e o sagui-da-serra-escuro.
Adicionalmente as iniciativas de proteção de remanescentes em toda a área de atuação da SPVS, a instituição desenvolveu ao longo de sua história, importantes projetos de Restauração Ecológica, contribuindo para a conexão e expansão de fragmentos no planalto e recomposição de pastagens degradadas e enriquecimento de florestas exploradas no litoral.
No início dos trabalhos, realizou o replantio de matas ciliares ao longo do Rio Cachoeira e na sequência, começaram os grandes esforços de recuperação de mais de 1.500 hectares nas Reservas Naturais, que se tornou um dos mais longevos programas de restauração ecológica em curso contínuo executado pelo terceiro setor no país. Houve, ainda, projetos realizados no planalto, que, em um grande esforço de mobilização com pequenos produtores e unidades de conservação, deu início a restauração de quase 500 hectares.
Além disso, é importante destacar o papel de construção do conhecimento realizado por esses projetos, que foram responsáveis pela publicação de inúmeros artigos científicos, desenvolvimento de metodologias inovadoras e formação de pessoas que se tornaram referência na área. Outro fator de destaque, é a grande demanda de mão deobra gerada por esta atividade, que permitiu a criação de centenas de empregos formais na cadeia da restauração no litoral paranaense. Nesta história, vários parceiros tiveram papel fundamental no financiamento dessas iniciativas, acreditando na visão compartilhada com a SPVS, que somente com ações de longo prazo será possível restaurar ambientes que sejam capazes de gerar serviços ecossistêmicos e fornecer hábitat para a biodiversidade novamente.
Com a execução do Programa Conexão Araucária, por exemplo, a SPVS vem atuando com muita determinação para ampliar o conceito de restauração de áreas naturais, com base no estabelecimento de prioridades em cada área específica a ser trabalhada, com base no conceito de Ecologia de Paisagem, permitindo ações de conectividade e a proteção de remanescentes bem conservados sendo incluídos como parte destas práticas, da mesma forma que esforços envolvendo a reintrodução ou translocação de fauna.
Como iniciativa de âmbito mais abrangente, desde 2007 a SPVS faz parte do grupo idealizador e formador do mecanismo de certificação de corporações em biodiversidade, promovendo a fundação da acreditadora Life Institute no ano de 2010. Nestes últimos anos, além do desenvolvimento de uma ferramenta inédita e robusta, a adesão de corporações a esse mecanismo vem se ampliando de forma crescente, possibilitando a mensuração do impacto ambiental não mitigável destas corporações é uma indicação para investimentos adicionais e voluntários no campo da conservação. Surge uma Certificação de Biodiversidade com propósitos de atuação global com o objetivo de incorporar o valor da conservação nas diversas e mais variadas atividades econômicas. Mais recentemente o Life Institute regulamentou a certificação de áreas naturais, proporcionando a geração de Créditos de Biodiversidade, sendo que as Reservas Naturais da SPVS foram uma das primeiras áreas certificadas.
Com o tempo, a SPVS também compreendeu a importância das ações de comunicação para promover, e valorizar, todos os ganhos ambientais, econômicos e coletivos gerados pelos trabalhos da instituição. Além de uma intensa presença nas redes sociais e em diferentes canais de comunicação, a SPVS é referência como entidade conservacionista também na imprensa. Não foram poucos os veículos de mídia brasileiros, e internacionais, que já valorizaram diferentes aspectos e resultados dos esforços empreendidos por nossas equipes. Essa conquista, é fruto do trabalho comprometido da Assessoria de Imprensa da instituição e da equipe de comunicação da SPVS como um todo.
Outro elemento fundamental para que as iniciativas desenvolvidas possam ter continuidade e sejam executadas de forma consistente é a existência de uma estrutura administrativa-financeira robusta e com amparo jurídico constante. A SPVS é reconhecida pela qualidade com a qual reporta suas ações e seus gastos com todos os seus parceiros, prestando contas e realizando auditorias independentes anualmente. Os custos institucionais decorrentes, em parte de fração dos recursos aportados pelos projetos executados são fundamentais para que a SPVS possa seguir realizando uma gestão pautada no rigor e na transparência e, ao mesmo tempo, desenvolva iniciativas adicionais e busque aproximação com novos parceiros.
Reiteramos que todas essas ações acima apresentadas dependem de um amplo grupo de parceiros e representam um esforço de aprendizado continuado. Foi o apoio desses parceiros que permitiram a viabilização de todas as atividades que a SPVS vem desenvolvendo, bem como membros da Assembleia Geral, do Conselho Deliberativo e Fiscal e do Comitê Guaraqueçaba, que emprestam sua confiança e conhecimentos para dar direção e qualidade ao trabalho realizado.
As ações acima descritas seguem em continuidade, sempre na perspectiva de serem mais reconhecidas e valorizadas para que possam representar uma alavanca para a obtenção de resultados de escala com a aderência de outros atores em um movimento de replicação. A sensação de realização é evidente ao olharmos o quanto foi possível executar nessas últimas quatro décadas a partir de uma instituição que nasceu em Curitiba tendo como suporte apenas uma forte determinação de permitir que jovens profissionais tivessem a oportunidade de atuar na agenda da conservação.
Ao mesmo tempo, a cada ano, aumenta uma angústia que já é compartilhada com uma maior fração da sociedade. O tempo está curto para evitar os efeitos mais nocivos decorrentes da ainda contínua perda da biodiversidade e o avanço das mudanças climáticas. Esse cenário não permite um ufanismo exagerado. Se por um lado instituições como a SPVS e tantas outras que atuam de forma determinada na luta pela conservação da biodiversidade vem superando suas próprias expectativas, uma necessidade premente e que implica em ações de grande envergadura devem obrigatoriamente fazer parte de nossas estratégias a frente, como instituições e como cidadãos.
Que nos próximos 40 anos possamos amplificar enormemente o engajamento da sociedade na agenda imprescindível de manter nosso planeta habitável. Para nós e para as demais espécies. A SPVS está consciente de que uma aceleração de avanços sem precedentes é o único caminho, a ser obtida a partir da ampliação exponencial de ambientes naturais preservados de forma integral.
Clóvis Borges é diretor-executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental).