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O desastre ambiental brasileiro: com a palavra, países compradores de commodities

* Artigo de opinião escrito por Clóvis Borges (diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS, integrante do Observatório Justiça e Conservação e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza – RECN)

Em entrevista recente, o diretor da ONG inglesa Global Witness, Patrick Alley, afirmou que a “proteção ambiental do Brasil está indo para o precipício”. A declaração retrata como a imagem de nosso país está se deteriorando frente às perturbadoras investidas políticas encadeadas a partir da nova gestão federal.

O posicionamento de Alley demonstra de forma muito contundente o que a maioria dos brasileiros já sabe: não temos controle sobre o uso adequado do patrimônio natural para, ao mesmo tempo, lhe garantir proteção. Também é informação que não surpreende quem acompanha as incontáveis circunstâncias de aviltamento aos direitos humanos que se repetem sistematicamente, em especial na região Amazônica. Mas o exacerbamento dessa falta de controle, motivado pela atual gestão, superou quaisquer limites.

Ao mesmo tempo em que diferentes atores estrangeiros rapidamente avançam para caracterizar o Brasil como um dos países mais relapsos em relação às questões voltadas ao meio ambiente, onde o desmatamento e a degradação ambiental são fatores preponderantes, uma discussão complexa se desenrola entre embaixadas da Noruega e da Alemanha com o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Trata-se da tentativa de “salvar” o Fundo Amazônia. E que parece longe de alguma alternativa que atenda os interesses, explicitamente divergentes, das partes envolvidas. São recursos de grande monta, superior a 1 bilhão de dólares), aportados a fundo perdido, por países como Alemanha e Noruega, para garantir maior controle do desmatamento ilegal na Amazônia e promover desenvolvimento sustentável da região. Recursos que podem ser, simplesmente, dispensados pela atual gestão pública federal.

No complexo cenário vivido atualmente no Brasil, há bastante dificuldade em se buscar uma explanação confiável sobre as reais intenções do nosso governo nessas discussões sobre o Fundo Amazônia. Em primeiro lugar, pelo fato de que os pronunciamentos retrógrados sobre os temas globais mais relevantes na área ambiental, como o combate à mudança climática e perda de biodiversidade, já exaustivamente externalizados pelos ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, deixam evidenciada uma lamentável e radical dissonância da administração pública com as principais agendas que preocupam seriamente outros países.

Mas também deve-se levar em conta que os recursos do Fundo Amazônia são aplicados justamente na coibição de irregularidades que, ao que tudo indica, não faz parte das intenções de nossos atuais gestores públicos. Ao contrário, há evidentes movimentos de libertinagem a partir do enfraquecimento proposital da condição, já extremamente depauperada, dos órgãos ambientais responsáveis pelo controle e fiscalização ambiental.

Soa lógica a intenção de desvio de finalidade desses recursos defendida pelo atual ministro Salles, o que coaduna perfeitamente com falas do presidente da República aos líderes do agronegócio, afirmando que a sua gestão “não causará constrangimento aos que quiserem trabalhar”.

Talvez o jogo de forças para determinar o futuro desse inédito esforço voltado à proteção da natureza no Brasil já esteja tendendo a um encadeamento previsível. Se países que aportam recursos para sustentar forças de controle contra a destruição da natureza são uma linha de atuação que a gestão Bolsonaro faz questão de afirmar não apoiar, qual poderá ser uma solução a esse impasse que atenda os interesses que as partes, antagonicamente, defendem?

O sistemático ataque às organizações do terceiro setor em prática no Brasil complementa a busca pela maior flexibilização a ações ilegais na Amazônia e, também, no restante do território. São projetos executados em parceria por essas organizações que, em grande parte, amparam e dão melhores de condições de trabalho aos órgãos públicos de meio ambiente, historicamente limitados em contingente, equipamentos, recursos e proteção contra pressões políticas. Além disso, mais de 60% dos recursos do Fundo Amazônia são destinados ao governo, em âmbito federal e estadual, e os outros 40% são divididos entre entidades do terceiro setor e universidades.

Exemplo muito relevante de uma situação ainda mais grave em termos econômicos diz respeito ao anunciado Acordo do Mercosul-UE. Desde o anúncio, muitos países europeus já endureceram suas posições. Não existe um caminho do meio nesse tipo de discussão. Ou seja, caso seja verdadeira a determinação desses países em realizar uma pressão econômica para que busquemos por aqui uma condição mínima de respeito ao uso e proteção ao patrimônio natural, devem ser cobradas atitudes concretas de parte do Brasil. Uma vez que são eles que compram, em enormes proporções, as commodities brasileiras.

É preciso pensar em medidas que, no curto prazo, possam reverter o cenário de profunda desconfiança já comprovada pelas intenções singulares de representantes do poder público federal. Chegamos a uma situação de tamanha gravidade em relação aos desmandos na área ambiental, postulados praticamente todos os dias, que movimentos menos contundentes de parte de quem efetivamente tem condições de impor uma postura de compromisso com uma agenda coerente e responsável com o patrimônio natural nacional, serão absolutamente ineficazes.

Ao que tudo indica, a administração federal apenas declinará de seus desatinos absurdos contra o meio ambiente a partir de imposições de ordem econômica internacional e em grande escala. Posições que revertam a conduta desviada dos maiores responsáveis por essas atitudes – os influentes setores da iniciativa privada que sustentam o desmanche da política ambiental do país.

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