Sou espanhol, biólogo e conservacionista. Durante os últimos 25 anos, trabalhei e visitei algumas das áreas naturais mais conhecidas e visitadas do mundo; tanto nos Estados Unidos como no México, Costa Rica, Argentina, Chile, Peru, Espanha, África e Índia. Algumas dessas áreas recebem milhões de visitantes por ano, tornando-se os principais motores da economia e de geração de emprego para suas regiões.
Mais especificamente ao longo dos últimos 13 anos, trabalhei na região argentina dos Esteiros de Iberá, onde a Fundação The Conservation Land Trust (CLT), junto ao governo argentino e da província de Corrientes criou o maior Parque Natural do país, recuperando espécies selvagens extintas como veado-campeiro, tamanduá-bandeira, cateto, anta, arara e onça-pintada. O interessante é que, além do impacto ambiental positivo sobre a biodiversidade local, a experiência de Iberá serviu para gerar novas opções de desenvolvimento para uma região marginal dentro da economia e política argentinas. A criação do Grande Parque Iberá não só gerou novas oportunidades de emprego como também promoveu a valorização da cultura local, criou uma nova Secretaria de Turismo em uma província que antes não se via como turística; levando o então presidente do país (Mauricio Macri) a visitar Iberá e Corrientes oito vezes nos últimos dois anos, sendo que não havia uma visita de um presidente à região há dez anos. Hoje, tanto o atual Presidente como o Ministro do Turismo (nenhum deles com tendências “ambientalistas” prévias) costumam citar Iberá como o “modelo de desenvolvimento” que se busca para as áreas rurais do país.
Este modelo é conhecido como Produção de Natureza, no qual áreas naturais com vida selvagem abundante e de fácil observação geram espetáculos naturais autênticos que atraem visitantes nacionais e internacionais, promovendo uma economia de serviços onde antes havia apenas setor primário. Em paralelo, a mídia internacional começou a tratar desses lugares, o que fez com que o The New York Times e a revista National Geographic elegessem Iberá como um dos principais lugares de natureza no mundo para se visitar. Até a mídia brasileira repercutiu esse fenômeno com a veiculação de duas edições do Globo Repórter, que expunham Iberá como um destino turístico e como um exemplo de restauração ecológica e cultural. Em poucas palavras, a criação deste grande destino de natureza serviu para que Iberá pudesse se projetar em seu país e no resto do mundo de forma mais positiva, criando novas oportunidades para a população e até mesmo restaurando seu patrimônio natural e cultural.
O que isso tem a ver com o Brasil? Acredito que muito. O Brasil é um país com atrativos naturais de primeira classe mundial, com um potencial claramente ainda pouco aproveitado como fonte de orgulho e emprego para seus habitantes. Segundo a Organização Mundial do Turismo, em 2017 o Brasil recebeu 6,5 milhões de visitantes. Isso se compara a números de outros países da América Latina, como México (39 milhões), Argentina (6,5 milhões), Chile (6,4 milhões) e República Dominicana (6,1milhões).
Se levarmos em conta que o Brasil tem atrações naturais que incluem as cataratas mais visitadas da América, a Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântica, além de praias e ilhas maravilhosas, e muitos outros locais menos conhecidos, chama à atenção a escassa visitação em relação a países vizinhos de extensões muito menores. Isso é alarmante se compararmos os 200 milhões de brasileiros que poderiam se beneficiar desse turismo aos 125 milhões de mexicanos, 44 milhões de argentinos, 18 milhões de chilenos e 10 milhões dominicanos. O caso da República Dominicana é o mais impressionante – o país é muito menor que o Brasil em extensão, com muito menos atrações turísticas e recebe quase a mesma quantidade de visitações! Isso nos mostra claramente como o Brasil é um gigante territorial que está “comercializando” seus enormes atrativos naturais (incluindo Parques Nacionais e outras áreas protegidas) de uma maneira muito inferior a outros países da região. Isso sem mencionar os mais de 80 milhões de turistas que visitam a Espanha e a França. Se compararmos a esses padrões parece evidente que há uma oportunidade perdida de valorizar e aproveitar a riquíssima biodiversidade brasileira em benefício da sociedade.
Nesse contexto, em 2017 fui convidado pela organização paranaense Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS para conhecer a região ainda preservada de Mata Atlântica no litoral sul de São Paulo, do Paraná e norte de Santa Catarina. Conheci as lindas baías, praias, ilhas, mangues, cidades coloniais e altas montanhas. Todavia, o que mais me impressionou foi poder sobrevoar a região por duas horas e observar um contínuo ininterrupto de uma das mais belas e valiosas florestas tropicais do mundo. Para mim, foi uma experiência inesquecível… e, esclarecedora.
Durante essa visita à região da Serra do Mar e seu litoral, pude ver as enormes atrações da região e, ao mesmo tempo, contrastá-la com o que defino como um sério “problema de autoestima” das organizações e da população local. Apesar dos inúmeros valores naturais e culturais da região, percebi que eles se sentiam perdendo a “batalha ambiental” sem saber reconhecer e celebrar o enorme milagre que envolve a manutenção de quase dois milhões de hectares contínuos de floresta tropical perto de três grandes cidades – São Paulo, Curitiba e Joinville. Da mesma forma, as dezenas de milhares de brasileiros que visitam a região parecem desconhecer seus atrativos naturais únicos, buscando um lazer baseado na “praia, cerveja e barreado”; enquanto o turismo internacional está praticamente ausente, apesar de centenas de milhares de turistas estrangeiros sobrevoarem a região em busca das Cataratas do Iguaçu.
Como no resto do Brasil, nesta região do litoral parece haver um enorme contraste entre um potencial cheio de atrações e uma realidade baseada na desvalorização e mal-uso destes recursos. Em resumo, estamos falando de um autêntico tesouro de importância global visto pela sociedade como uma área de baixo valor.
Felizmente, isso está mudando. Nos últimos meses, vi se formar uma aliança de organizações públicas e privadas, composta por dezenas de cidadãos que decidiram comunicar ao mundo as atrações dessa região, sob o nome de Grande Reserva Mata Atlântica. Por meio de uma linguagem clara e inclusiva, que conecta questões de conservação com as necessidades de desenvolvimento e inclusão social das comunidades locais, buscaram comunicar aos três estados vizinhos, ao Brasil e ao mundo, que o maior remanescente da Mata Atlântica no mundo, com todo o seu patrimônio natural e cultural, deve ser um pilar de desenvolvimento regional e reconhecimento nacional. Esta campanha irá criar uma marca em torno das maravilhas preservadas neste contínuo de Mata Atlântica para que possa ser cuidada adequadamente e também sirva como a principal fonte de trabalho e orgulho para as comunidades rurais que vivem nela, muitas das quais estão entre as mais pobres de seus respectivos estados.
Acredito que a campanha em favor da Grande Reserva Mata Atlântica é um excelente exemplo de como construir pontes dentro da sociedade brasileira em tempos de enorme tensão política e divisão, e de como valorizar o muito que esse país tem de bom. Sem esta valorização será muito difícil cuidar e aproveitar este rico patrimônio natural e cultural. Desta forma, uma campanha regional pode ser um grande passo na estrada que leva o Brasil a ocupar seu lugar de direito no cenário global, tanto em termos de conservação da natureza como de turismo de qualidade.
Ignacio Jiménez Pérez, Explorador da National Geographic Society e membro do grupo de especialistas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN)