De que modo os problemas ambientais globais afetam – e também podem ser agravados ou mitigados – por nossas atitudes individuais?
Foto: Gabriel Marchi
Vivemos um período de convite para pensar sobre as razões que nos trouxeram à condição de enfrentar uma das mais graves pandemias recentes da história da humanidade e sobre como podemos agir para evitar que cenários futuros piores sejam impostos. Uma oportunidade para refletirmos juntos sobre como estamos conectados. E sobre o quanto as nossas ações, ou inações, afetam de forma definitiva outras infinitas formas de vidas.
Estamos aprendendo que escolhas individuais causam impactos coletivos, observando de forma didática, a partir de exemplos bem práticos, como as escolhas que, a princípio, deveriam envolver somente o indivíduo que as fez, podem desencadear um efeito em cadeia e afetar uma espécie inteira, um grupo de pessoas, um bioma, um país, um setor da sociedade ou até o mundo todo.
Ambiental e socialmente, absolutamente todos os acontecimentos geram consequências irradiadas em cadeia, pois somos e estamos todos conectados a partir de nossas relações múltiplas que envolvem o viver em sociedade seja sob as lentes da ecologia, pelos fluxos de energia vital, ou da economia, pelas relações de trabalho e capital. Parte dos acontecimentos que desencadeiam reações e consequências nas relações são inevitáveis, como um terremoto ou um tsunami, por exemplo. Ainda assim, a tecnologia pode ajudar a apaziguar os danos através da previsão e antecipação de ações.
Ocorre que, quando se analisa os demais acontecimentos do mundo moderno como o consumo desenfreado dos recursos naturais, a terrível desigualdade social e suas mazelas, as mudanças climáticas e a atual pandemia provocada pelo Coronavírus, observa-se que esses fenômenos foram desencadeados e se propagam a partir de escolhas individuais que afetam o coletivo.
É hora de (re)pensarmos essas relações, não envolvendo somente reflexões sobre como as escolhas feitas pelos outros ou as consequências desses atos nos afetam, mas também sobre como as nossas escolhas afetam os demais seres vivos e todas as relações estabelecidas. Somos um ponto de uma teia hiper conectada.
O que hoje é considerada uma pandemia começou a partir de uma decisão baseada em uma escolha de consumo de biodiversidade. Sabe-se que microrganismos e vírus podem infectar espécies da fauna no mundo todo sem, necessariamente, causar-lhes doenças, mas que por meio do contato com seres humanos que ocorre através do desmatamento, do tráfico de animais, da caça e do consumo de espécies selvagens, eles podem sofrer mutações e causar doenças em seres humanos. É o caso do Covid-19, que, segundo especialistas como o professor Paulo Eduardo Brandão da USP (Universidade de São Paulo), a origem teria vindo do consumo de morcegos, assim como o vírus pode ter feito passagem para o pangolim, um animal comumente traficado. Por intermédio deles, chegou aos seres humanos.
As consequências dessas escolhas afetaram toda a teia da vida e o mundo hoje vive uma pandemia. A diminuição das distâncias pela conexão das viagens e pelo contato humano espalhou o vírus rapidamente. Pela primeira vez no mundo moderno, estamos passando pelo processo de distanciamento ou de isolamento social, de acordo com a situação emergencial em cada comunidade. Fomos tolhidos do nosso direito de ir e vir, de abraçar os entes queridos, de frequentar escolas, de nos reunirmos e até de frequentarmos áreas naturais, como praias e parques. Milhares de pessoas não podem, sequer, despedir-se de seus familiares que morrem isolados em hospitais. Outros não puderam nem ao menos ser sepultados adequadamente.
A preocupação com o suporte hospitalar para absorver a crise, com as comunidades menos favorecidas que não contam com água e sabão para lavar as mãos e que em condições impróprias para suportar uma quarentena, com a economia e com as fontes de renda, predominam nas mentes enquanto esperamos o pior passar. Mas este “esperar” não precisa ser um ato passivo.
Enquanto a Terra descansa, temos uma oportunidade única de repensarmos a nossa forma de vida para o novo mundo que virá. Podemos fazer boas escolhas que desencadeiem boas ações.
É fundamental sermos solidários com a nossa teia, a partir das escolhas de consumo. Dividir o que temos com quem precisa, não estocar produtos essenciais e optar por produtos de origem garantida de pequenos comerciantes locais, pode ajudar a apaziguar os danos. Manter o distanciamento social para achatar a curva de disseminação do vírus é uma escolha individual e que afeta o coletivo. Valorizar o conhecimento científico, defendendo as universidades e os centros de pesquisa e apoiando políticas de incentivo não somente agora que estamos vivendo uma crise sem precedentes, mas quando tudo isso passar também. Aproveitar o momento para repensar as escolhas de consumo e estilo de vida. Precisamos, de fato, correr tanto, gastar tanto combustível e passar anos sem olhar as cores do céu?
As tartarugas desovando nas praias vazias, os agora cristalinos canais de Veneza, o azul do céu que era cinzento constantemente, os animais passando pelos quintais e o canto das aves sobrepondo as buzinas são sinais que se apresentam para nós. Aparentemente, ganhamos uma chance para lembramos de que temos tudo a ver com isso que nos cerca. Estamos diante de muitas oportunidades. Precisamos sair desta crise diferentes.
Texto escrito por Solange Latenek, técnica em educação ambiental na Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS, e Daniela Borges, ativista ambiental.