Este artigo foi originalmente publicado no Diário do Comércio, em 28 de maio de 2019. Acesse aqui o conteúdo.
Inverdade afirmar que a agenda brasileira na área do meio ambiente já viveu um cenário que possa ser definido como adequado ou ao menos suficiente. Ao contrário, mesmo com todos os avanços obtidos na nossa legislação, considerada uma das melhores do mundo nesse campo, o efetivo cumprimento das regras sempre foi falho. Os avanços reais, na verdade, são fruto de um esforço descomunal de instâncias que, mesmo com todas as limitações, geraram espaço para resultados positivos relevantes.
Por meio de novos insumos tecnológicos, cada vez mais acessíveis, nos dias atuais o monitoramento da degradação passou a ser uma ferramenta efetiva para coibir ações ilegais e alertar a sociedade sobre os excessos em curso em todo o País – notadamente na Amazônia e no Cerrado em função da escala e da velocidade da destruição observada, em grande parte devido à expansão descontrolada da fronteira agrícola.
Mesmo sem a efetividade suficiente, os esforços de conservação das últimas décadas no Brasil causaram efeitos positivos nas relações diplomáticas, qualificando o País perante aqueles que importam nossos principais produtos. A preocupação e o protagonismo com temas como perda da biodiversidade e mudanças climáticas conferiram ao Brasil um papel de liderança em discussões importantes, como nas Conferências das Partes, implantadas a partir da Rio-92.
É importante sinalizar que em alguns setores da indústria ocorreram extraordinários avanços tecnológicos para mitigar impactos ambientais negativos. Já no que se refere à proteção do patrimônio natural, as perdas representam uma situação crônica, aumentando ou diminuindo de intensidade ao longo do tempo, mas sem uma perspectiva concreta de controle efetivo.
Entramos no século 21 mantendo índices absurdos de degradação do meio ambiente. No caso órgãos ambientais governamentais, sempre foi prática corrente conduzir suas ações no sentido de minimizar perdas, negociando dentro das possibilidades as agendas que geram maiores impactos.
Mas na realidade, o Ministério do Meio Ambiente e suas diferentes autarquias, como o Ibama, o ICMBio e o Serviço Florestal Brasileiro, bem como instâncias estaduais e municipais responsáveis pela proteção do patrimônio natural, historicamente sobrevivem com extrema limitação. É evidente a presença de uma política crônica para dificultar o cumprimento dessa missão.
Mesmo com uma condição inadequada de trabalho, os órgãos ambientais, muitas vezes em parceria com instâncias do terceiro setor e da academia, implementaram um amplo rol de avanços excepcionais visando proteger áreas naturais. Dentre eles a criação de novas Unidades de Conservação e o estabelecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Também são de extrema relevância os programas e proteção de espécies ameaçadas e ações de restauração de áreas degradadas, dentre muitas outras atividades.
Chegamos a 2019 com enormes desafios para ajustar a agenda da conservação do patrimônio natural. Uma luta heroica e ao mesmo tempo desleal, se considerarmos a capacidade de investimento disponível para a proteção do meio ambiente e as enormes cifras oportunizadas para financiar projetos, muitas vezes subsidiados, que implicam em ações de degradação da natureza, como a mineração e a expansão agropecuária.
A recém-implantada nova gestão federal já mostrou a que veio, ignorando todo o arcabouço de atividades que precisam ser mantidas e incrementadas no campo da conservação. Não apenas na proteção de áreas públicas e privadas e no incentivo a práticas de combate ao aquecimento global, dentre muitas outras agendas de enorme relevância. Esse comportamento demonstra desprezo ao enorme potencial de introdução de atividades de turismo de natureza em escala internacional no Brasil, um enorme campo para o desenvolvimento socioeconômico – desde que nossas Unidades de Conservação sejam mantidas, valorizadas e estruturadas.
A avidez para que seja implementado um desmonte da agenda ambiental, tendo como escudeiro o ministro Ricardo Salles, está sustentada por interesses explicitados por grupos setoriais cobrando favores de campanha. Claramente essa conduta não representa uma estratégia coerente para o desenvolvimento do País. Salles demonstra não apenas falta de conhecimento, uma vez que é um novato na área que assumiu a poucos meses atrás. Ele é responsável por uma conduta de forte viés ideológico e cumpre um papel predeterminado de minar sua própria casa.
Impressiona sua conduta desviada ao, seguidamente, relacionar a agenda básica de conservação do país como antagônica ao desenvolvimento. É de conhecimento pleno que o ministro do Meio Ambiente foi uma escolha realizada a dedo pelo presidente e seu grupo mais próximo. Uma forma de compensar à altura a não anexação dessa pasta com o Ministério da Agricultura, uma vez que a reação da opinião pública o impediu.
As demonstrações de poder exacerbadas e truculentas, que estamos assistindo todos os dias, seguem em direção contrária ao cumprimento de uma agenda ambiental avançada e propositiva, desejo da enorme maioria da população. Eventos contrários aos desmandos em curso se sucedem em vários pontos do País. Mas é fora do Brasil que se encontra talvez o mais efetivo meio de contestação.
Sustentado pela visão assustadoramente retrógrada, a postura do governo federal na pauta do meio ambiente já está gerando reações na opinião pública internacional, como demonstra o exemplo da carta assinada por mais de 600 cientistas de instituições europeias pedindo para que a União Europeia (UE), segundo maior parceiro comercial do Brasil, condicione a compra de insumos brasileiros ao cumprimento de compromissos ambientais.
Despencamos em relação à nossa imagem duramente construída ao longo das últimas décadas. De um País que se mostra interessado em colaborar concretamente com a agenda ambiental global, passamos a representar um exemplo de retrocesso. Uma abertura de flanco extremamente vulnerável.
Clóvis Borges, diretor executivo da SPVS