A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 225, estabelece o direito que toda sociedade tem em relação a um meio ambiente ecologicamente equilibrado garantindo qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Esse artigo serve como base para uma série de legislações ambientais criadas a fim de garantir o uso racional e a proteção dos recursos naturais. Mesmo antes desta previsão, uma das principais e mais importantes legislações ambientais brasileiras já havia sido implementada, o Código Florestal. Mas por que ele foi criado?
Devido ao processo de desenvolvimento econômico do Brasil, baseado desde a época colonial no uso da terra, em 1934 foi estabelecido um primeiro Código Florestal para garantir uma reserva de recurso natural nas propriedades, especialmente, a madeira. Em meio à expansão de plantações de café que se estabeleciam na época, e ao início de um distanciamento entre as cidades e as florestas, o preço da lenha ficava cada vez mais alto. Visando não causar nenhum tipo de impacto sobre os custos de produção e venda do produto, foi estabelecida, de modo geral, a garantia de manutenção de 25% de área florestal em cada propriedade rural como “estoque de lenha”. Apesar de uma base de criação com viés bastante econômico, este dispositivo teve, além disso, um início de demonstração de preocupação com a preservação ambiental. Por meio das “Florestas Protetoras” se estabeleceram regras para garantir a manutenção de recursos hídricos e de áreas consideradas como risco dentro das propriedades.
Com o passar dos anos, a expansão agrícola brasileira foi tomando maiores proporções e com isso os métodos de produção se modernizando. A lenha já não era tão importante, visto outros modos existentes para se gerar energia e a importância de se preservar alguns recursos naturais relacionados ao processo produtivo começavam a ser considerados. Assim, no ano de 1965, houve uma primeira reformulação do Código Florestal, que passou a ter um viés de proteção da função das florestas. Desta forma, os 25% de reserva madeireira de cada propriedade se transformam no conceito de Reserva Legal, a fim de se preservar a função destes ambientes levando em consideração as características de cada bioma onde as propriedades estavam localizadas, e as “Florestas Protetoras” se transformaram em Áreas de Preservação Permanente garantindo a quantidade e qualidade dos recursos hídricos, além da manutenção de áreas de maior fragilidade dentro das propriedades e assegurando, assim, a conservação da biodiversidade.
Cria-se então um bom instrumento legislativo que rege o uso das florestas brasileiras e que leva em consideração a preservação destes ambientes. No entanto, a falta de entendimento sobre a interdependência entre o uso e ocupação da terra e a preservação ambiental agravam os constantes conflitos entre os representantes de grupos setoriais e aqueles de proteção do meio ambiente. Como consequência, em 2012 o Código Florestal sofre mudanças e retrocessos, quando uma nova reformulação é aprovada.
O Novo Código Florestal, como popularmente é conhecido hoje, acabou por flexibilizar várias regras em relação a exploração florestal, principalmente afrouxando condicionantes sobre as Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, chegando até a anistiar proprietários que desmataram ilegalmente suas propriedades. De outra parte foram criados alguns instrumentos importantes, como é o caso do Cadastro Ambiental Rural, mas que até hoje não foram devidamente implementados.
Especialmente na data de hoje (25 de abril), em que o Novo Código Florestal completa oito anos de sua reformulação, o que temos enfim, para comemorar? Praticamente nada. O que observamos são poucos avanços, principalmente em se tratando da preservação das florestas. Diariamente somos bombardeados com as constantes taxas de crescimento do desmatamento das poucas áreas naturais que ainda restam no Brasil, aliada a degradação ambiental desenfreada na Amazônia e no Cerrado e ao desmonte dos órgãos ambientais brasileiros, que deveriam trabalhar em nome da manutenção do meio ambiente.
Vivemos um retrocesso ambiental sem igual em nome de um desenvolvimento, que é visto somente com os olhos do crescimento econômico desconsiderando a efetiva importância da manutenção das áreas naturais para a qualidade de vida de toda população. Não percebemos que são justamente as áreas naturais, principalmente as florestas, que garantem os recursos mínimos para a sobrevivência de nossos negócios e para nossa própria sobrevivência como espécie humana.
Triste realidade brasileira, que em meio a uma gravíssima situação de pandemia, passa por sérias crises no setor ambiental, agravadas por governantes despreparados e com interesses próprios, aliados a um argumento econômico equivocado, que colocam em cheque toda uma nação. É chegado o momento de manifestações mais intensas e determinadas de toda a sociedade em busca de uma agenda consistente de desenvolvimento que contempla a conservação da natureza como um aliado e não como um incômodo descartável. O Código Floresta Brasileiro, criado na década de 60, representa uma das maiores contribuições de nossa sociedade neste sentido, e deve ser rigorosamente respeitado, mesmo depois as muitas amputações sofridas nos últimos anos.
* Artigo escrito por Natasha Choinski – analista de processos ambientais na Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS