Lançando sua obra “Produção de Natureza: Parques, Rewilding e Desenvolvimento local” no Brasil, o biólogo Ignácio Jiménez Pérez comenta sobre a metodologia e sua experiência no país
Qual expectativa de ver seu livro sendo lançado no Brasil?
Ignacio Jiménez Pérez: Para mim, foi uma grande surpresa. O livro foi publicado em espanhol primeiramente na Argentina (2018) e, depois, na Espanha. Nesse mesmo ano comecei a colaborar de maneira mais intensa com a organização paranaense SPVS e a familiarizar-me com o universo da conservação no Brasil. Na minha percepção, o Brasil era, até então, um país distante e enorme com 200 milhões de habitantes e dono de uma das maiores riquezas biológicas do planeta. Depois que Teresa Bracher (uma das responsáveis pela criação do projeto Documenta Pantanal e à frente da instituição Acaia Pantanal) leu o livro e decidiu investir em sua tradução para o português, foi uma surpresa e honra. Sinceramente, não imaginava que isso pudesse ocorrer. Entretanto, além desta surpresa inicial, minha expectativa é de que a obra sirva como inspiração e um roteiro de caminhos que podem ser tomados por pessoas interessadas em questões ambientais e sociais, ainda que não sejam obrigatoriamente ambientalistas, cuidando melhor desse enorme patrimônio natural e cultural do país, convertendo-o em sinônimo de orgulho, emprego e esperança.
Como percebe o fato de o livro e sua metodologia terem sido adotados como modelo para dois projetos de conservação no Brasil?
Ignacio Jiménez Pérez: Vejo como um imenso motivo de orgulho e uma grande oportunidade. Minha sensação é de que os mais de 20 anos de experiência profissional na América Central, Argentina, Europa e África me serviram, fundamentalmente, para criar uma metodologia que pode ser aplicada em qualquer país, obviamente com as devidas adaptações ao contexto local. Acredito que com a versão em português é chegado o momento de começar a colocar em prática de forma sistemática tudo que foi aprendido. E conseguir isto em um país da importância do Brasil parece-me, simplesmente, um presente da vida.
Quais são os maiores desafios e suas expectativas em relação aos projetos Grande Reserva Mata Atlântica e Alto Pantanal?
Ignacio Jiménez Pérez: Creio que o principal desafio é comum a todas as grandes áreas naturais do Brasil: a necessidade de que as comunidades locais, os governos estaduais e a sociedade brasileira se conscientizem que os ecossistemas não são ‘espaços improdutivos’ que deveriam ser explorados de maneira extrativista para que se tornem ‘úteis’. Por algum motivo, neste país se instalou uma ideia equivocada de que ‘conservação não funciona’. Creio que isso tenha contribuído para que muitos brasileiros não percebessem que a natureza bem conservada pode resultar em benefícios sociais e econômicos.
Dessa forma, acredito que o principal desafio da Grande Reserva Mata Atlântica e do Alto Pantanal é conseguir despertar um sentimento de orgulho local e nacional de relevância política e econômica ao redor da maior área remanescente de Mata Atlântica do mundo e um dos ecossistemas melhor conservados da América do Sul, que é o Pantanal. Quando começamos a trabalhar nestes projetos, a sociedade não tinha a dimensão do valor desses dois biomas.
Felizmente, graças a um esforço de comunicação a todos os setores da sociedade, e não somente aos ambientalistas, esta visão está mudando. Uma vez que se consiga essa mudança, o resto é trabalhar para mostrar resultados concretos que conectem a conservação de natureza com benefícios diretos para aqueles que moram em essas áreas. Quando isto ocorre é possível mudar não apenas a percepção da região, mas, sobretudo, gerar esperança e otimismo onde antes dominavam a desconfiança, queixas e reclamações. E isto eu vi acontecer na Argentina e em outros países.
Em sua opinião, qual o valor de áreas bem preservadas brasileiras no cenário nacional e internacional?
Ignacio Jiménez Pérez: Cada país deve utilizar da melhor forma possível os recursos que dispõe. A título de exemplo, seria um absurdo que a Europa não fizesse se valer de seus museus, castelos e catedrais, pois são inerentes ao Velho Continente e o distingue em relação a outras regiões do mundo. Igualmente a África, onde em muitos países há animais tão espetaculares, como elefantes, leões ou rinocerontes, ou, ainda, os Estados Unidos, que não deixam de empregar sua enorme capacidade tecnológica para oferecer a oportunidade de visitar o que, provavelmente, seja o melhor sistema de parques nacionais do mundo.
Nesse aspecto, o Brasil deve usar aquilo que lhe concede vantagem frente a outras nações, como sua capacidade e enorme potencial na produção de alimentos, assim como seus milhares de quilômetros de belas praias. Outra vantagem é ser berço de uma das maiores diversidades biológicas do planeta. Que outro país pode ter em seu território boa parte da Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampa? Grandes porções desses biomas bem cuidados e abertos ao público, desde que dotados com instalações de nível internacional e guardas florestais profissionais, têm a capacidade de duplicar o número de turistas que visitam o país e gerar inúmeros postos de emprego justamente em algumas das áreas com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como é o caso das comunidades vizinhas da Grande Reserva Mata Atlântica e do Alto Pantanal. Ao mesmo tempo, estes ecossistemas não apenas são conservados, mas, também, preservados para as gerações futuras. Creio que isto geraria um enorme impacto ambiental e social não somente no Brasil e, sim, em nível global, considerada a importância do patrimônio natural brasileiro para o mundo.
Posso afirmar que em termos globais há um consenso absoluto de que os países devem gerar políticas e ferramentas efetivas para que áreas naturais possam ser bem cuidadas tanto por questões de conservação do ecossistema como para contribuir para a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas. Nesse sentido, o Brasil deve fazer sua parte enquanto integrante dessa comunidade global de forma prática e profissional para que isso repercuta nas comunidades locais em melhor nível de vida e novas oportunidades econômicas. É uma atitude que outros países, como Costa Rica, Botsuana, África do Sul, Argentina, Chile e Nova Zelândia, já tomaram. O mundo caminha nessa direção e a demanda global indica que os países que se anteciparem em adotar essas práticas serão os que mais se aproveitarão de todos os benefícios decorrentes. Basta o Brasil aprender com a experiência desses países e utilizar todo o conhecimento acumulado que dispõe por meio de seus profissionais e organizações para obter resultados concretos.
Sobre o autor
Biólogo espanhol e conservacionista com ampla experiência internacional. Em 1996, iniciou o primeiro projeto sobre a ecologia e conservação do peixe-boi antilhano na Costa Rica. Com base neste país, desenvolveu projetos de conservação da natureza na Nicarágua, El Salvador e Madagascar. Em paralelo, coordenou uma análise interdisciplinar da experiência espanhola em recuperação de fauna em perigo de extinção, publicada no livro “Al Borde de la Extinción”. Em 2005, mudou-se para a Argentina, onde começou a colaborar com a CLT – The Conservation Land Trust, nos Estuários do Iberá. Nesta organização, foi responsável pelo estabelecimento e coordenação do maior programa de ressilvestramento ou rewilding da América, que inclui espécies como tamanduá-bandeira, veado-dos-pampas, arara-vermelha, cateto, anta e onça-pintada. Durante o ano de 2016 viveu na África do Sul aprendendo com a experiência africana sobre conservação da biodiversidade, rewilding, ecoturismo e desenvolvimento local. Seus estudos e esforços na área da conservação constam em livros, artigos científicos, periódicos, documentários e quadrinhos. Atualmente, colabora com organizações brasileiras na criação de grandes áreas de produção de natureza na Mata Atlântica e no Pantanal.