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ARTIGO - Uma cidade inteligente é aquela que reconhece o valor da natureza e age em sua defesa

É o tipo de “seguro” que nenhum planejamento urbano deveria deixar de lado



Crescer, crescer, crescer. Essa parece ser a premissa que norteia as estratégias de desenvolvimento urbano no Brasil. A maioria dos planos urbanísticos foca na atração de negócios e na administração do aumento populacional, incluindo os fluxos migratórios, sejam eles estimulados ou espontâneos. Como consequência, surge a necessidade de amplas infraestruturas para acomodar esse crescimento: novos sistemas de transporte, saúde, segurança e outros serviços públicos. Contudo, a cada novo plano diretor, o que vemos são mais áreas destinadas à expansão de residências, indústrias e comércio.


As práticas de grilagem e ocupações irregulares, por sua vez, operam em paralelo ao contexto formal, acelerando de maneira caótica os movimentos de expansão. Essa dinâmica tem como resultado cidades que reagem de forma improvisada ao avanço territorial, com soluções que muitas vezes não passam de remendos. Esse padrão perpetua uma gestão de crise contínua, onde a demanda por investimentos públicos cresce em um ritmo insustentável e praticamente impossível de ser atendida.


Nas grandes capitais, essa problemática se agrava ainda mais quando seus limites se sobrepõem aos municípios vizinhos, formando extensas regiões metropolitanas. Nessas áreas, a soma de desafios urbanos ganha uma dimensão intermunicipal, exigindo articulações que nem sempre ocorrem de maneira eficaz. Pequenos municípios dessas regiões, muitas vezes com gestões independentes e menos estruturadas, tendem a ceder às pressões políticas e do setor imobiliário, flexibilizando normas e, em muitos casos, ignorando a legislação vigente.


O impacto da especulação imobiliária e da falta de planejamento


Nas regiões metropolitanas, o crescimento raramente segue os planejamentos públicos. Pelo contrário: em muitos casos, são os interesses do setor imobiliário que direcionam as políticas urbanas, resultando em agendas desalinhadas com a racionalidade esperada para um desenvolvimento minimamente mais sustentável.


Esse modelo de expansão negligencia um fator crucial: as cidades dependem de serviços ecossistêmicos básicos, como o abastecimento de água e a resiliência a eventos climáticos extremos. Esses serviços, proporcionados pela infraestrutura verde (áreas naturais bem conservadas), estão sob constante pressão do crescimento desordenado. Ignorar o impacto do desmatamento e da ocupação irregular dessas áreas é um suicídio anunciado, uma escolha que compromete a qualidade de vida e agrava os custos sociais e econômicos.


Os exemplos de catástrofes provocadas por eventos climáticos extremos, como enchentes e deslizamentos, não são mais previsões de um futuro distante. São realidades que se repetem de forma cada vez mais intensa, ano após ano, mostrando que cidades que desconsideram a proteção ambiental colocam suas populações em situação de extrema vulnerabilidade.


A natureza como aliada estratégica


Uma solução eficaz e de excelente custo-benefício seria a criação de cinturões de áreas naturais bem conservadas ao redor dos grandes centros urbanos. Essas áreas garantiriam a proteção de mananciais (produção de água) e reduziriam os impactos de chuvas torrenciais, a partir da manutenção de ecossistemas essenciais para a resiliência climática.


Esses cinturões devem incluir áreas de risco bem mapeadas, como encostas e baixadas, que muitas vezes são ocupadas irregularmente, agravando desastres naturais. A conservação dessas regiões precisa ser tratada como uma prioridade, não como um entrave ao desenvolvimento econômico. Pelo contrário, é uma estratégia inteligente para garantir a maior sustentabilidade e a atratividade de grandes centros urbanos, inclusive para investidores que buscam segurança em seus negócios.


Reconhecendo o valor das áreas naturais


Os municípios que ainda possuem remanescentes naturais em seus territórios desempenham um papel estratégico na garantia da qualidade de vida das regiões metropolitanas. É crucial que essas áreas sejam reconhecidas e protegidas de forma efetiva. Adicionalmente, locais já degradados devem ser restaurados para retomar sua função ambiental. Essas áreas não são apenas "reservas naturais", mas verdadeiras fábricas de serviços ecossistêmicos, indispensáveis para o funcionamento das cidades e o bem-estar da sociedade.


A internalização do valor da natureza precisa ser uma pauta coletiva. Trata-se de reconhecer, mensurar e compartilhar os benefícios proporcionados pelas áreas naturais com toda a sociedade. Esse processo exige a implementação de mecanismos de controle e, quando viável, a monetização das áreas preservadas como forma de garantir sua proteção.


Conclusão: uma escolha inteligente e urgente


Investir na conservação ambiental das regiões metropolitanas é uma questão de promover uma gestão territorial responsável. Representa uma estratégia de sobrevivência para os grandes centros urbanos. A degradação contínua dessas áreas está transformando as cidades em verdadeiras bombas-relógio, cujo impacto afeta, sobretudo, as populações mais vulneráveis, mas não poupa nenhum segmento da sociedade.


Alocar recursos adequados e agir dentro de prazos que ainda permitam intervenções consistentes é uma decisão estratégica com retorno garantido. Além de reduzir riscos sociais e econômicos, essa escolha torna as cidades mais atraentes para novos investimentos, promovendo um futuro mais seguro e mais resiliente, frente ao “novo normal” que estamos vivendo. 


Uma cidade verdadeiramente inteligente é aquela que reconhece o valor da natureza e age em sua defesa. É o tipo de “seguro” que nenhum planejamento urbano deveria deixar de lado.


Artigo escrito por Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental).


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